PORTO LIBERAL por Francisco Ribeiro da Silva

O Porto é uma cidade liberal tanto no sentido genérico de que fez da luta pela Liberdade uma imagem de marca mas também na aceção mais específica de que nela ocorreram os eventos decisivos para a instauração do liberalismo político no país e consequentemente para a abolição do absolutismo monárquico.

O século XIX foi o tempo da afirmação plena desse traço identitário. Primeiro, foi a constituição do Sinédrio (1818). Depois, a revolução de 24 de agosto de 1820, cujo palco foi o Campo de Santo Ovídio, hoje Praça da República. De seguida, a revolta de 16 de maio de 1828 contra a reimplantação do absolutismo miguelista, mais uma vez consumada naquele sítio. No ano seguinte, o suplício dos Mártires da Liberdade: execução nas forcas da Praça Nova dos 12 bravos que pagaram com a vida a sua dedicação à causa da liberdade. Em 1832-1833, o desembarque das tropas liberais comandadas por D. Pedro, a sua entrada na cidade, a que se seguiu o Cerco do Porto, em consequência do qual a monarquia constitucional veio a ser estabelecida sem retorno.

A toponímia das ruas e praças da cidade guarda boa lembrança dos heróis, dos valores e das lutas em prol do liberalismo. Alguma estatuária urbana e vários monumentos fúnebres recordam aos passantes e aos residentes as circunstâncias e os protagonistas desse período histórico. Mas não há na cidade um museu ou um centro de estudos dedicados ao liberalismo.

A ideia do estabelecimento de um Centro Interpretativo do Porto Liberal não pretende ser nem uma coisa nem outra. Mas deseja ser um local de revisitação histórica desses acontecimentos e de perpetuação da sua memória na memória da cidade.

Porquê na Irmandade da Lapa?

Antes de mais, porque é na sua igreja que se guarda o coração da figura mais emblemática do liberalismo, D. Pedro IV de Portugal (D. Pedro I do Brasil), que o próprio quis legar à cidade.

Mas não só. No fundo, a criação do Centro Interpretativo do Porto Liberal na Irmandade da Lapa não é algo totalmente novo, visto que durante todo o século XIX (a partir de 1835) e primeiro quartel do século XX (até 1925), nos dias 24 de setembro de cada ano, a Igreja da Lapa convertia-se numa espécie de centro interpretativo do liberalismo através das orações fúnebres pronunciadas pelos oradores sagrados nas exéquias, nas quais era quase obrigatório falar na importância e no valor da liberdade. Felizmente, uma boa parte desses sermões foram publicados e conservam-se.

Por outro lado, não apenas o duque de Bragança ouvia missa na Igreja da Lapa como também o espaço envolvente, incluindo a Praça da República, foi o cenário onde se desenrolaram os acontecimentos fundadores do liberalismo.

Assim sendo, tendo em atenção que se aproxima o segundo centenário da revolução liberal e que a cidade do Porto vive uma conjuntura de atratividade muito feliz, por que não criar o centro interpretativo e, ao mesmo tempo, lançar a rota turística a ligar os lugares do liberalismo? Alguns passos importantes já foram dados, tais como o apoio da Mesa Administrativa da Irmandade, a constituição de comissões, o estabelecimento da rede de parceiros do projeto (Câmara Municipal do Porto, Direção Regional de Cultura do Norte, Misericórdia do Porto, Museu Militar do Porto, Museu Nacional Soares dos Reis). O que é que falta? Falta a garantia de apoios financeiros. Mas os dados estão lançados.

 

Artigo publicado pelo Jornal de Notícias em 14 Março 2017.

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